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a sombra escrita da imagem

Atualizado: 30 de mai. de 2021

5-- Inventário
Altair martins


A despeito das coisas da casa,

as horas vão coalhar

sobre a ferrugem sobre as correntes

sobre o cadeado sobre o portão de um pátio

onde as estrias verdes

compõem a logística

do que cheira bem e sempre cresce.

Só um número de telefone dirá o preço:

dois quartos, sala, cozinha, banheiro,

a varanda e o depósito

onde dormiam as bicicletas.

Só um número de telefone dirá

que a terra abaixo é vermelha

e dá verões com goiabas.

Mas telefone algum confirmará

os cupins e a gravidade,

nem segredos de fendas e frestas

que tudo viram e escutaram

(e que ainda cantam em desafino).

Nem será mencionada

a bacia de plástico para os banhos quentes

ou este cheiro atrasado

que o abrir das portas acorda e zanga.


A despeito das pessoas da casa,

as confissões e o choro da mãe

e as mãos que apertavam forte

com os braços do patriarca

tombarão com tudo que será demolido.

Uma placa confirmará a venda

do lugar onde se fizeram filhos

e do lugar onde as palavras dos filhos cresceram

até os pelos do púbis e dos palavrões.

Sob essas mesmas tábuas

que esticam mãos de afogado,

faltará força às vigas e às camadas de pessoas

acumuladas sob os anos e sobre a umidade.

E restará o corpo caído além do corpo

nos ossos cor de barro de uma senhora idosa.

Uma poeira sentirá azia e uma saudade

de cigarro e de jogos de tabuleiro

e evocará os nomes dos cães e dos gatos.

Uma voz ou um retrato há de citar

a receita de um arroz carreteiro,

e então a caliça recordará as tintas da juventude,

mas, reticente ao movimento das pás,

será o cavalo que não pode averiguar

a própria carga.


Quando houver silêncio,

dos escombros da casa

escaparão

as histórias que piscam o olho.


Áudio: https://drive.google.com/file/d/1NKFkuMLl12Z5cMBKfaM8AyKrcVZ05YP4/view?usp=sharinghttps://drive.google.com/file/d/1NKFkuMLl12Z5cMBKfaM8AyKrcVZ05YP4/view?usp=sharing

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