a sombra escrita da imagem
135. Safári
Altair Martins]
Escritor e professor

[Foto de Santiago Martins]
Fala a verdade, você
gostaria de ter
este discernimento:
você gostaria de enriquecer
com funcionários que vendem
as bugigangas da China.
E você gostaria muito de não falar
a língua das carrocinhas de pipoca.
E você gostaria de ter
o carro mais potente da rodovia.
E você gostaria de comprar a rodovia
e disparar seu fuzil
nos cavalos que pastam à margem do asfalto.
A rodovia nunca teria a faixa da direita.
Fala. Você gostaria
de uma tatuagem que,
nossa, olha a tatuagem naquele braço.
E você gostaria de ter mais braços
onde tatuar aquela frase.
Você sabe quanto ganham
os profissionais da TI
e você gostaria de ganhar igual,
mas igual, você não tem soft skill
e (full time) você precisa
de um sobrenome bem branco.
E você gostaria que o Estado
não lhe cobrasse nenhum imposto.
Mas você participa de tudo,
mesmo com as mãos quebradas: você
está no hospital,
e o raio-x não funciona, e você
se senta, ontem enriquecendo alguém,
talvez hoje enriquecendo uma coisa.
Confessa: você aprisionou nas fotografias
um mundo não seu, não é mesmo?
Você não respeita a propriedade privada.
E agora se pergunta
se é mesmo você
quem beija e quem tira roupa,
quem tira a roupa e quem faz sexo,
quem faz sexo. Você
bem que gostaria
de dormir um pouco.
Não dá mais tempo.
Acabou.