a sombra escrita da imagem
134.Aniversário
{Altair Martins]
Escritor e professor

[Foto de Liane Tonelotto]
Assustam-me as coisas que se mostram imensas:
os mares retos do Rio Grande do Sul,
a noite de pior geada,
os mosquitos longe da fogueira,
e o meu choro,
e o meu choro,
o meu choro.
As culpas têm peso variável
conforme as palavras e os sapos.
Já a solidão se bebe em goles iguais
com ou sem gelo.
E à noite, antes que chova,
vou molhar eu mesmo as plantas
(se estiverem vivas).
Porque nenhuma couve resiste
ao vazio dos gestos,
e nossa horta tem também
suas manhãs ruins.
Aí pelo meio-dia, a comida
será servida sem requintes:
dois talheres, guardanapo,
pimenta, algum sal, algum azeite.
Silêncio pra esfriar o que estiver
muito quente.
(Parece mesmo que
todos os almoços foram assim).
Pra costurar o sono,
uma garrafa d’água quase congelada,
as dores nas costas
me esquecendo aos poucos,
e a imensidão assustadora
das minhas caras
pelos calendários.