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a sombra escrita da imagem


44. O PLANETA COM ÓCULOS RAY-BAN
ALTAIR MARTINS

A notícia de que o vírus

pode alcançar os animais de casa

assustou as algas azuis

e fez ridículos os nossos territórios.


Talvez o planeta nos tenha mesmo demitido,

despejado. Somos vagabundos

e isso que vivemos são os efeitos

da dedetização e das igrejas.


Já não escondemos nosso banquinho de criança

nem nossos ossos que chamam os pais

sob o medo de que nos cubra

o folhiço que cai no pátio.


E é fato que o planeta não tem ano-novo

e no entanto exigimos um março de progresso

enquanto, no escuro, fomos atores de revista

que só excitavam os bolores.


Nossos marcos de porta,

nossos medicamentos e a excessiva fertilidade

com que escrituramos quadrados de terra

— nada disso merece um abano de cauda de baleia.


Também nossas moedas

acusam a dor e a febre,

e só beberão da chuva os que souberem abrir as mãos

em concha.


Com certeza o planeta não gosta de nossos corredores

e por isso as milícias do limo sempre avançam

sempre avançam, mesmo que pisem sobre o aço

ou sobre a camisa da confederação brasileira de futebol.


Talvez o planeta não tenha eleito nosso genocida.

Talvez não se contente com sobras,

nem com risadas de tartaruga,

nem com a bandeira de Israel.


O mérito e a mão invisível do mercado

têm esse mau cheiro depois da escama.

Talvez o planeta, neste momento,

esteja lavando as mãos.

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