a sombra escrita da imagem
65. ESSES OLHOS DE SEGUNDA MÃO
{Altair Martins]
Escritor e professor
[
foto de Santiago Martins]
Atravessam meus olhos
os olhos dos outros.
Imigrantes emprestam o que não pedi
e inundam os corredores e túneis
com visitas que dormem de pé.
Os cupins do mundo
inventam bonecos de nuvem e de carne
que o meu olho inquilina sem conhecer os nomes.
Porque é fato que conheço mais de deus
por essas imagens de deus
que não vi ou respirei.
Deus planta florestas
nas planícies e montanhas invisíveis
que o meu olho aleluia e só então vislumbra.
E é missa sempre que o olho abre a porta:
assim que os fantasmas entram
já estendem a feira intermitente
que vende
o que nem sempre compro.
Pelos horizontes de um olho a outro
as mãos do oceano e da terra
se arquitetam paredes que parecem teto
que parecem chão.
Os rostos (que enquanto vejo
já não são os mesmos)
assombram os quartos da retina,
assoprando o lençol finíssimo que a memória
incessantemente dobra.
Por entre esses dois olhos
a enorme borra se renova,
e um mercado de cargas voláteis concorre.
Através do retrato de um país com barba
o mundo se arredora
comunitário
como um livro de biblioteca.
É que, colando as estampas de guerras
e de animais exóticos,
o tal álbum feito de História e adivinhação
me assalta de experiências não minhas,
que experiencio.
No hostel do já-visto,
meus olhos coam mortos e recém-nascidos
que às vezes se confundem de propósito.
Confira o áudio do autor: https://drive.google.com/file/d/1CBSL1nTBegUo2yc9fYeou-ZaaexjpR1l/view?usp=sharing