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Paradigmas na prática penal

Há dois paradigmas que sustentam a diversidade de posicionamentos em Direito Penal: o coletivo e o protetivo, expostos na obra: “Teoria da Decisão Judicial – Fundamentos de Direito, de Ricardo Luis Lorenzetti. Diante dessa dualidade, qual é o paradigma que o juiz deve adotar, tendo em vista sua imparcialidade?

No paradigma coletivo, o interesse da sociedade é invocado como o objeto do Direito Penal. É o mais antigo, com raízes na Idade Média e no sistema inquisitorial. Enxerga o Direito Penal como o ‘vingador’. O juiz abandona a sua imparcialidade, desconfiando do réu e inclinando-se contra ele, com atitudes que demonstram uma associação da ideia de justiça à de vingança. A preeminência do bem coletivo concede-lhe prioridade sobre os bens individuais, pois é essencial para a convivência, permitindo que o jurista privilegie relações coletivas. (LORENZETTI, p. 369-370).

O recente paradigma protetivo vê como foco do Direito Penal a proteção do indivíduo, protegendo ao máximo a esfera individual da atuação estatal. Assim, o fito da justiça é a proteção das garantias individuais, inclinando o juiz perceber a pequenez do indivíduo em frente ao imenso aparato estatal, as dificuldades sociais enfrentadas por grande parte dos cidadãos atingidos pelo Direito Penal. Segundo o autor, o paradigma protetivo protege os vulneráveis com base na igualdade constitucional, defendendo a pessoa. Nos direitos humanos do direito público e na evolução dos princípios do direito privado em favor do devedor, do consumidor e do indivíduo particular. (pp. 368/369).

Então, pergunta-se: qual paradigma deve orientar o juiz criminal na tomada de suas decisões?

É lugar comum afirmar que o magistrado deve considerar os interesses envolvidos nos casos que analisa, sob pena de estar sendo parcial. Dessa forma, a maneira dual de pensar, refletida nos dois paradigmas antes descritos, não é suficiente para dar conta da função de julgar.

Ao juiz não é permitida a postura de vingador. Há tempos a noção de justiça (pública e tendente à construção de um futuro durável) ultrapassou a de vingança (estritamente privada e presa ao passado): a vingança não encontra tempo aberto, é obsessiva e privada, prisioneira de um tempo mortífero. (OST, “O Tempo do Direito”, p. 132).

Por outro lado, o juiz não se vincula apenas à máxima proteção das garantias individuais, devendo atentar à sanção penal que deflui legitimamente do caráter público do processo: justiça não é vingança. Busca distância do crime para a sanção. O juiz é imparcial. A sentença é dada após debate público e contraditório com vítima e suspeito. (op.cit., pp. 175/176).

Assim, o juiz deve estar comprometido, simultaneamente, com a sociedade e o indivíduo; com o ‘criminoso’ e o combate à ‘criminalidade’. É difícil trabalhar com interesses que reflitam duas posturas aparentemente opostas? Sim, muito. Parece até impossível uma forma de raciocinar que englobe posições opostas. Veja-se que esses dois paradigmas guiam o Direito Penal não por mero acaso, mas porque somos herdeiros de uma forma dicotômica de pensar, que teima em realizar oposições maniqueístas.

Kant surge como possível parâmetro teórico, porque ele contribui “para a superação crítica de confrontações e dicotomias no discurso intercultural” (BIELEFELDT. “Filosofia dos Direitos Humanos”, p. 63). Para ele, a vontade não é apenas força externa, mas também força motriz interna, de modo que produz a autolegislação dos seres humanos e nela acreditamos.

* Dra. Uda Roberta Doederlein Schwartz.
Juíza de Direito, 1ª Vara Cível de Esteio. Professora de Ética do CJUD. Mestre em Direito (UFRGS/CDEA). Facilitadora em Círculos de Paz não conflitivos (AJURIS) e de Grupos Reflexivos de Gênero (CJUD). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (Universidade Gama Filho) e Direito Constitucional (FMP). Bacharela em Direito (UFRGS) e Filosofia (IMED)
*Prof. Estevão Machado Athaydes
Inspetor de polícia civil do Rio Grande do Sul, bacharel em Direito e licenciado em Letras pela Universidade Luterana do Brasil, licenciado em Filosofia pelo Centro Universitário Ítalo Brasileiro, pós-graduando em Direitos Humanos nas Relações Étnico-raciais, Gênero e Diversidade pela Universidade Luterana do Brasil; pós-graduando em Docência do Ensino Superior pela Universila; mestre em Educação pela Universidad de Jaén, Espanha.

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