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Somos Analfabetos Ecológicos

Por Eduardo Raguse Quadros/Biólogo

Todos nascemos analfabetos, obviamente, e todos nós, que estamos lendo este texto, tivemos o privilegio de ter as condições de aprender como funcionam as combinações de símbolos, que são as letras, acentos, números, etc., o que elas significam, e como usa-las. Este aprendizado só pode acontecer por que observamos, por muitos anos, atenta e curiosamente estes símbolos que nos rodeiam, a maneira com que as pessoas em nosso entorno os usam, e ainda, na grande maioria dos casos, por que tivemos algumas pessoas muito especiais e importantes que se dedicaram a nos ensinar.

Sabemos também que, só conseguir pronunciar o som que é formado ao se juntar letras, sem entender o que esta sendo lido, não é o bastante. Precisamos entender, para poder aplicar todo o conhecimento guardado nas palavras escritas, para não sermos enganados, ou dependentes, para que possamos ser levados pela imaginação e pela reflexão, para que a arte nos emocione, para podermos transcender através dos textos místicos das diversas espiritualidades que se fazem conhecer através de escritos, para podermos acessar a ciência. Além de entender, temos também que saber como comunicar nossas impressões, experiências, ideias, acúmulos, emoções, assim podemos passar adiante tudo isto, contribuindo com esta construção coletiva que é a sociedade humana, através da linguagem, também escrita.

Mas para que esta sociedade humana possa existir precisamos que a biosfera (a fina camada na superfície do planeta Terra onde é possível que a vida como à conhecemos se desenrole) esteja com seus elementos em determinadas condições, a composição do ar deve ser respirável, a temperatura deve apresentar-se em uma faixa de variação específica, a água deve ter qualidade e quantidade para suprir seus usos, os solos devem ser férteis, os ciclos biogeoquímicos devem ocorrer de maneira adequada, fauna, flora e todos os biomas aquáticos e terrestres devem ter condições de existir e cumprir suas funções. Sem isso não é possível nossa sobrevivência.


Estamos vivendo uma Emergência Climática evidente (apesar da doença do negacionismo), vemos alterações no regime de chuvas, na temperatura, no nível do mar, derretimento gradual de geleiras, incêndios de proporções impares, eventos climáticos cada vez mais extremos, perdas em produção de alimentos, nos próximos anos milhões de pessoas podem ser forçadas a migrar de seus países por causa das consequências das mudanças climáticas. Estamos vivendo a sexta onda de extinção em massa (sim, a última foi a dos dinossauros, no Cretáceo), a taxa de extinção das espécies entre 1900 e 2050 é quase 120 vezes maior do que a esperada, nossa biodiversidade está queimando, sendo derrubada e caçada, virando boi, soja, celulose e minérios. Estamos vivendo uma das maiores pandemias da história humana, e estudos apontam que a principal causa seria a caça e comércio ilegal de animais silvestres, além disto, já se estima que o Covid-19 possa ser só um ensaio para uma “Grande Pandemia” que poderia matar bilhões e reduzir nossa expectativa de vida, o sistema afetado provavelmente também seria o respiratório. Para todas estas questões, a causa principal é a mesma: a falta de capacidade de lermos a língua da natureza, e organizarmos nossas sociedades a partir desta leitura, e não a partir do oposto disto: o capitalismo.

Dentre outros pilares, o capitalista se baseia na ideia de que pode fazer crescer infinitamente sua acumulação de capital, ignorando que os “recursos” da Pachamama não são infinitos, e que Gaia, este organismo vivo, tem uma capacidade limitada de suportar nossas atividades. A ciência inclusive já entende que o impacto da espécie humana se constituiu como uma força de alcance planetário, afetando nossa Casa Comum de tal forma, que inauguramos uma nova era geológica, o Antropoceno.

Nossa Mãe Terra já está nos informando de maneira clara que estamos com problemas, mas entendemos sua língua? Está em nossas mãos a reversão deste quadro, mas por onde começar?


Sugiro começarmos entendendo que a língua da vida em nosso planeta é a Ecologia.

Precisamos aprender esta língua para podermos construir comunidades humanas verdadeiramente sustentáveis, para todos os seres, desta e das futuras gerações. Este é um dos saltos quânticos coletivos que temos que dar.

A notícia boa é que temos fontes das quais aprender. Os ecossistemas naturais são comunidades sustentáveis de plantas, animais e outros seres e elementos dos meios físico e biótico, especializados por bilhões de anos de evolução para manter a vida na Terra. As comunidades tradicionais e os povos originários são comunidades humanas sustentáveis, que coevoluiram durante milhares de anos com os ambientes em que vivem. Os professores e as bibliotecas da ciência também guardam conhecimentos que nos guiam neste caminho.

É preciso reconhecermos que a espécie humana é somente mais um fio da teia da vida, que estamos inseridos nos ciclos da natureza, e deles dependemos para viver. Somos interdependentes. Todos os seres, humanos ou não, tem uma importância intrínseca. Estas noções nos levam aos princípios da ecologia:

- Nenhum ecossistema natural produz resíduos, os resíduos de uma espécie são o alimento de outras;

- A matéria circula continuamente, em diferentes formas, pela teia da vida;

- A energia que sustenta estes ciclos vem do Sol;

- A diversidade assegura a capacidade da vida se perpetuar e se adaptar;

- A vida se estabeleceu no planeta através da cooperação e de redes de relações.


Baseados nestes conhecimentos podemos construir e potencializar estas redes de relações. Buscar meios de como atuar nas diferentes esferas de ação: interna, em nossas casas, nossa cidade, nossa comunidade, nosso país, e no mundo. Cada nível de ação necessita de um nível de organização individual e coletiva.

De maneira prática podemos começar com uma composteira, em seguida uma horta orgânica, conhecer e proteger os ambientes do lugar onde vivemos, entender para onde vai nosso esgoto e de onde vem nossa água, de onde vem a energia elétrica, para onde vai nosso resíduo, podemos consumir alimentos de produtores locais, mudar hábitos, podemos entender os problemas de nossa comunidade e do ambiente em que vivemos, nos organizar coletivamente para resolvê-los, para evitar que novos problemas sejam criados, para incidir nas tomadas de decisão políticas, e assim por diante. Tendo como compromisso a vida, os direitos humanos, a soberania dos povos, a justiça social, econômica, de gênero e ambiental, e a liberdade de todas as formas de dominação e exploração.


Como disse Fritjof Capra “a sobrevivência da Humanidade dependerá da nossa capacidade de compreender os princípios básicos da ecologia e viver de acordo com eles”. A qualidade de vida e, em última instância, a sobrevivência de todos depende de nossa alfabetização ecológica.

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