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Recortes Cotidianos

A culpa vem no combo da maternidade

Natália Carvalho*

naticarvalhoo@gmail.com

A gente cresce ouvindo que precisa estudar pra ser alguém na vida. Estuda. Termina o ensino médio, vai pra faculdade. Namora. “E quando vai ter um bebê?”, escuta. “Olha, eu to estudando, depois tem a carreira”. “Ah, mas daí vai ficar muito velha!”. É, pois é.
Daí vivemos com esse dilema que vai além do casar ou comprar uma bicicleta. Precisamos decidir se priorizamos estudos, carreira, relacionamento, filhos. É uma questão difícil aliada a correr contra o relógio, afinal, mulheres não podem esperar a vida toda. E aí começa uma série de cobranças. Porque, pra ter filho, é preciso estar com alguém. Não com qualquer alguém. A carreira não nos espera e pode complicar se no nosso currículo tiver maternidade.
E assim engravidamos sem a menor noção do que virá: se retomaremos nossas carreiras e nossos estudos depois que o bebê nascer ou se não teremos coragem de sair de casa e deixar aquela criatura tão pequenina e frágil longe da gente durante muitas horas. Se não retornamos ao mercado de trabalho sentimos culpa de abandonar a velha vida, velhos projetos, objetivos que demoramos tempo nos preparando pra alcançar. Se retornamos, sentimos o peso de não acompanhar de perto o dia-a-dia do filho. De não sermos os primeiros a acompanhar muitas primeiras vezes da nossa cria. Se estudamos, pensamos que deveríamos estar com a criança naquele tempo. Se não estudamos pra estar com ela, ficamos pensando que deveríamos estar lendo e não ficamos 100% focadas no momento presente.
Certa vez, ouvi que depois dos filhos nossa vida nunca mais seria a mesma. Que questionaríamos nossas escolhas o tempo inteiro. E assim é. Mas o pior de tudo não são as nossas autocríticas, que já são suficientes. São as de terceiros. “Por que tu voltou a estudar agora, com criança pequena?”, “mas tu tá trabalhando ou está SÓ em casa (quem fala isso certamente nunca passou 24h com criança), “mas tu vai ficar mais quanto tempo? Não quer trabalhar mais?”, “fulana voltou a trabalhar uma semana depois que o bebê dela nasceu”, “tu viu, aquela lá tinha uma carreira tão promissora, largou tudo pra ficar com os filhos em casa. Coitada!”.
Muitas vezes as pessoas não têm noção de que essas questões são as mais difíceis na vida da mulher. Que, na maioria das vezes, antes de pensar nela, ela está pensando no bem estar do filho. Ela mesma se questiona sobre essas coisas todos os dias e não precisa de mais gente fazendo isso porque com certeza ela está dando seu melhor, ao mesmo tempo que pensa que deveria estar dando seu melhor também em outro papel. Estamos em um lugar, pensando que deveríamos estar em outro.
Esse semestre termino o mestrado! Mas e o segundo filho, quando vem?” “E vai trabalhar onde?” “Vai pro doutorado?” “Vai continuar em casa?” “Porque a fulana fez doutorado e engravidou de novo”. Nos poupem. Cada trajetória é uma. Cada uma sabe onde seu calo aperta, o que tira o sono. Cada uma deve sentir muito orgulho das suas conquistas porque só nós sabemos das privações que tivemos pra alcançar cada uma delas. Elogia, incentiva. É muito mais legal pra todo mundo!

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