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a sombra escrita da imagem de Altair Martins

34. Poema sobre a minha mãe e o verão


1

e a minha mãe dirá que

esteve ocupada que

a roupa quase evaporou no varal que

as unhas ficaram duras que

há tempos não toma uma cerveja e que

teremos uma noite difícil só

com um ventilador

(nunca imaginei que um ventilador

fosse o verão pra minha mãe)


e a mãe dirá que

o ano voou e ninguém viu e que

quando ela era guria

sonhava com praia de mar


2

vou responder que no verão

a saliva também sente sede que

o vento faz greve até que o pescoço confesse e que

as garças preferem a água mas

não sabem nadar entende isso?


e direi tanta coisa inútil assim

como alguém que lê na língua dos deuses só

para que os deuses não lhe pisoteiem tanto a cabeça mas

a verdade é que não sei o que dizer quando

a mãe lembra pessoas que

eu não lembro mais e

assim ela inventa umas saudades e repete

as mesmas coisas que já disse sobre

aquelas pessoas que não morrem mais e

na janela este verão parece aquele

verão redondo quando

ela me trouxe uma tartaruga que comia minhocas numa bacia

já viu tartaruga comendo assim?


direi que

também sonho com praia de mar mesmo quando

estou no litoral mesmo que

o verão todos os verões sejam os mesmos pois

o calor nos arranca da casa e

a gente se sente o horizonte quando

de repente a tempestade é só ameaça e

um mergulho se dá com medo de raio e

estamos sozinhos em frente

ao mar pensando

naquilo que a mãe dizia sobre

aqueles verões de dentro dela e que

pra mim eram o ventilador eram o ventilador

entende? o ventilador que

agora parece tão familiar

no vento e na água que batem que batem

nesta areia que

pode abraçar embaixo

dos pés e isso talvez seja lá

algum tipo atávico de

carinho.

Confira o áudio do autor: https://drive.google.com/file/d/1EdZwmrZCrw5ZlJpFzXkRkSU3Pc0HlNF1/view?usp=sharing

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