a sombra escrita da imagem {Altair Martins]
23. Acordo contra quatro crianças
Quatro crianças inventam para si a coisa que virá.
E virá sem nome,
sem nunca inundação nem nunca fogo,
feito uma mentira:
boa de brincar com os olhos
proibida às mãos
— difícil de deixar pra trás.
As quatro crianças, digamos
3 meninas e um menino
digamos irmãos
digamos 4, 3, 6, 5 (as idades)
tudo o que têm é sentar em frente à casa
de costas pra cerca de madeira
e fincar a ferida do pastor da igreja
quando ele falar pros vizinhos o que deus falou pra ele
até que o pastor ou o deus grite
e o grito cause riso.
Tudo o que as crianças fazem é permanecerem numa imagem vincada
onde escorrem a saliva e os mortos de papel.
Sem pressa, inventam paredes que têm reboco
e quartos que têm portas para quando tiverem 10 anos.
Com 12 já deslocam os bairros e as ruas.
Para os 15 anos arrastam uma praia
e atiram a praia
bem no meio do terreno de alguém.
Como não conseguem contar até os 20
vivem para sempre até os 18
quando o menino serve ao quartel.
Por enquanto não aceitam nada que entendam completamente.
O que virá: a mãe vai descobrir, ela vai encontrar sim,
mesmo que escondam entre as tralhas do pátio.
As quatro crianças aceitaram o acordo.
Então elas se vingam estragando antes da hora a coisa prometida
que não veio
mas que virá.
As quatro crianças não inventaram a velhice,
essa coisa que tanto espera.
obs: Foto de Valmir Michelon/projeto Retrato de Família/FGC e Prefeitura de Guaíba/2015
CONFIRA O AUDIO DO ESCRITOR: https://drive.google.com/drive/u/2/folders/15LANO8Rr_4PhV5lJXf75Vr50HZgFVEBh