- Nova Folha Regional
a sombra escrita da imagem {Altair Martins]
20. Não serei a imagem de um cartão-postal

Na margem ofendida do lago
eu não serei o que foi um caibro de cedro,
nem serei o que foi um pote de sorvete,
nem o que foi uma bola que agora
é uma casca de fruta custando a apodrecer.
Não migrarei para a água ferida
que ainda se mexe
mesmo sem sangue.
Também não fugirei no barco da fotografia
que aprisiona um horizonte.
Muito menos aceitarei a areia cansada
ou os móveis que mergulham
à espera do esquecimento.
Não verei o televisor
que me fez esquecer
e será esquecido
pelos peixes que não precisam sorrir.
Falo
antes do oxigênio
e sua marcha ruiva
nos safanões da pele,
e sua neblina branca
na tarde dos olhos.
Escrevo
antes da tosse
e dos verões que virão ranzinzas
depois que a chuva vomitar os mortos
que nunca tiveram nome.
Na margem triste do lago
eu desejaria ter o luxo de ser a nuvem:
mais leve do que prestes a morrer.
Por enquanto
prefiro não ter mais bandeira
e sarar dos lugares que ocupei
porque eram lugares de homens brancos.
E não quero trabalhar de casa,
por mais que isso renda,
e deixar de almoçar entre os amigos.
Na margem morta do lago
terei a decência de ter dito não.
Confira o áudio: https://drive.google.com/file/d/19IAe3BhfrUsG8np_QUmzi9-00rlfepuD/view?usp=sharing