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a sombra escrita da imagem {Altair Martins]

Flagrante de uma ave anônima



A vergonha de não saber um nome é bem assim:

interrompo o asfalto e o automóvel

pra ver o pássaro imenso e de longo bico

que me recorda uma figurinha de chocolate ao leite.


Quando foi que não vi

(há 45 anos cortando o mesmo caminho!)

essa coisa-esplendor que descubro como um afogamento?

Quando foi que não soube o nome,

ocupado sendo tráfego,

e me entreguei ignorante num canto de rodovia

sem reconhecer quem é o estrangeiro e de que terra

venho ou vim?


Foi o que levei pra casa,

numa fotografia que não paguei ao modelo,

e nas gavetas do olho

e nos pixels de uma câmera de um telefone celular

e na tela de um laptop

fui desvendar a identidade que não está no facebook

e que um plantador de arroz disse ser do João-grande

e que um amigo ornitólogo classificou como cegonha

e a quem a www.wikiaves.com.br

dá nome e sobrenome: Ciconia maguari.


O nome.


Foi quando a ave de cabeça calva

e meias pernaltas cor de rosa,

e plumas de carvão a bordejar nuvens de asas

até a cauda de fraque,

e ainda mais a sombra encarnada atiçando aqueles olhos amarelos,

a ave pôde enfim marcar um tempo entre,

feito barco, feito corda

balançantes na expectativa e na surpresa

de um rasgão que me fez feliz ao meio.


Agora, peço perdão à ave da estrada

(e seus tantos apelidos empilhados sobre o nome latino)

e reverencio sua postura de ser bela sem ângulo preferido

nem desperdício do banquete de seres aquáticos

que o mundo oferece

na manhã em que o sol se despeja sobre plumas brancas.


Muito prazer, me chamo gente,

vou indo, estou atrasado,

não acredito em milagres.


CONFIRA O ÁUDIO COM O AUTOR ALTAIR MARTINS https://drive.google.com/file/d/1yW410Tm4JiLA1gGLa1pYtJhdLF_FIyl1/view?usp=sharing




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