a sombra escrita da imagem
30. Porque sempre fomos organizados
Não sei vocês,
mas não dispusemos em fila os 4 pássaros do arame,
apesar de sermos tão organizados.
Delimitamos apenas, e sobre a mesa e embaixo do grito,
o que seria fartura e o que seria fome.
É compreensível portanto que as notícias felizes
e as bobas
nos encantem até que esqueçamos o crime
de esmagar com este peso de ser a maioria.
E nem somos a maioria.
É satisfatório assim que pareçamos igualmente educados,
pois a educação serve pra isto: tirar retratos.
Como é satisfatório também
ignorar nossa própria língua
se concordamos que a língua dos outros
– we’ll be together forever –
é sempre mais bonita.
Não sei vocês,
mas deve ser porque investimos na morte
matando com pau
matando com faca
com fogo
matando com gás
e depois matando com soja
e solidão.
A esperança é que, com os carros mais seguros,
possamos andar cada vez mais rápido
e chegar cada vez mais rápido
e voltar cada vez mais rápido
e isso talvez signifique
que morrerá menos gente
dessa gente que andar nesses carros.
Mas é que ainda
fazemos estátuas do que já não somos mais.
E ainda
bebemos os insultos que atiramos no rio
e ainda
queremos porque queremos
a roupa de um manequim de corpo hirto
e mãos estarrecidas
preenchidas do que nunca vive.
Não sei vocês,
mas não adianta sermos tão organizados
se me pesadelo com abelhas
(sempre as mesmas toda noite)
que ignoram flores
porque já desvendaram a fórmula da coca-cola.
Áudio do autor https://drive.google.com/file/d/13txKIR4XwSqHMSti4L70NHYgY7yA5U8q/view?usp=sharing