a sombra escrita da imagem
95. Sobre alguns fantasmas de bolso
Por Altair Martins

No bolso direito das calças,
os fantasmas de meus avós.
Falam de terras (eles e elas)
onde se perdia dinheiro
plantando café.
Já não dormem
nem nunca emudecem.
Aos atropelos vão evocando
os dentes e as mãos
de outro tempo,
retratos que os cupins já devoraram.
Quando encontram as dentaduras,
reclamam das senhas do banco
e da falta de ventilador.
No bolso esquerdo da mesma calça,
espectros de tias e outros parentes
(com nome e sem nome)
que não vi mais gordos.
São muitos e insistem que eu lembre
filiações que parecem ficção.
Brigam, rezam e nunca terminam:
as mesmas paredes de alvenaria,
as mesmas unhas dos pés,
o banho das crianças
e as mesmas comidas
que ainda esperam
sobre as mesmas mesas
nas massas de pão.
No bolso da camisa,
o fantasma de meu pai
e seu cavalo de muitas patas
e seu uniforme de vento
cruzam a linha de chegada.
É parecido comigo, rindo daquilo
que lê num gibi de Walt Disney.
Toca violões agora, todo de branco
e com trinta bocas que bebem
o que ele estiver bebendo.
Porque sim: mesmo antes
de habitar esta minha camisa,
o passo do pai
nunca foi visto andando sozinho.