a sombra escrita da imagem
88. O PROGRESSO (QUANDO NÃO CHOVE)
Altair Martins
Naquela manhã sem chuva
eu fui o vento,
com uma certa alegria
de velocidade e falta de peso.
Fui algo de verde sobre o cimento,
quando alguma coisa de tédio
parecia explicar a falta de água
e de coragem.
Talvez aquilo tudo fosse juventude
ou saudade — a diferença (sempre)
é que o rosto de um menino
se olha antes por fora.
E agora (que recordo) minhas crinas
resolveram doer sozinhas
como um último dente.
Agradeço que estudei
pra não esquecer de onde vim.
Digo que tudo o que enriquece
alguém
tem mau hálito nas filas.
Os hospitais, por exemplo,
fedem farmácias,
cursos pré-medicina
e planos de saúde.
Como o vento, assim,
feito nada, já naquela manhã
(não lembro quando) eu pisava
esta pele que carrego,
esta lona de um circo.
Posso dormir como um sócio,
se o que consumo são apenas
energia elétrica, arroz e algodão
— essas mentiras inocentes.