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a sombra escrita da imagem

74. INSISTÊNCIA SOB UM MESMO CORPO

{Altair Martins] Escritor e professor




[foto de Leonardo Sessegolo]

Repetem-se as roupas de sempre.

Meu corpo já não pode sair

da própria história: há o rosto e ele ressoa

sobre o mesmo projeto

de mato

e loteamento.

Me insisto.

Os braços cobrariam das mãos,

eu sei, a louça quebrada.

A língua demitiria os dedos sempre atrasados,

eu sei, por justa causa.

Mas receio motins e ratos e é por isso

que domestico as unhas todas as semanas

bem rente à carne.

Ontem

os pés esqueceram de mim

por um respiro

e fui água útil e breve

— suficiente para as samambaias.

Mas depois, veio um nome e me encontrou

no fundo de algum vidro

que deixei sem tampa.

(Não é que meu nome goste do meu cheiro:

ele apenas se acostumou com isso).

Eu não caberia na pele magra

deste ano grosseiro.

Ainda assim

me faria tão bem um guarda-roupas

com cavas e ombros da estação.

E embora esse medo de falar inglês,

minha voz queria a voz

de Ella Fitzgerald

por uma sexta-feira apenas.

Contudo eu sei:

quando o aluguel estiver pago,

um leitor cruel demais chegará cedo

e me fará a mesma visita.

Ele lê com estes dois olhos bons,

mas é incapaz de notar

além daquilo tudo que já decorou.

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