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a sombra escrita da imagem

68. Conluio do 7 de setembro


[Foto de Louis Scur Carrard]


Podes delegar às nuvens

tuas injustiças de gaveta:

a covardia da tua educação particular,

o bairro onde moras,

o plano de saúde

e as vantagens do teu partido.

O riso americano

e o gesto de lavar as mãos

depois da missão cumprida

provam que todos podem vencer.

É o teu caso na firma.


Ganhas mais que os outros

porque trabalhas mais que os outros.

Mas as nuvens nunca viram

o homem que limpa o banheiro da rodoviária.

Porque, se nem tu nem a nuvem

conhecem a rodoviária,

a rodoviária não existe no quadro de medalhas.

Assim, se todos podem vencer um dia,

um dia também o teu banheiro

não será mais limpo.

Então trabalhas (de verdade)

para que este dia nunca chegue.


Claro, as nuvens se ocuparão de repassar

às outras repartições da atmosfera

as pessoas que coube a ti demitir,

assim como as vantagens da tua vitória

sobre o homem que limpa o banheiro da rodoviária

e que não sabia que estava competindo.

Não se vai a Miami de ônibus.

Não te interessa quantas privadas custa o gás de cozinha.


Teus carros que falam, tuas casas movediças,

tuas fotografias em redes sociais

e as viagens aos lugares-comuns

onde as embalagens luzem

— tudo isso também defeca.

Será lavado pelas nuvens

quando o lápis quebrar a ponta

e verificar um erro nas tuas operações de simples soma.

Sob o olho comparsa do céu,

com chuva ou com sol

(em Miami ou na rodoviária)

alguém trabalha mais que tu.


Mas nada do que consomes

em verdade consomes.

Nenhum bicho morre

para o bife e o casaco que te guarnecem.

A água suja é só água que nasceu suja.

Não vem do cartão de crédito.

Eis uma infração das nuvens:

os índios sempre beberam dessa água

e só morreram por falta de seguro.


Dorme.

O céu não insinuará qualquer coisa

sobre os bem-sucedidos aqui da terra

porque do alto não se vê a rodoviária.

Lá, tudo o que flutua também lucra

com a tua coleção de relógios.

Nenhuma nuvem jamais descobrirá a tua senha.


E os braços que imagino

não são mais que inesquecíveis.


Confira o áudio do autor do texto Altair Martins: https://drive.google.com/file/d/1oAX07YDvep68vU50leN4E4PZiLlVLbte/view?usp=sharing


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