a sombra escrita da imagem
60. Um hino é sempre surdo
{Altair Martins]
Escritor e professor
[foto de Santiago Martins]
mas afinal
essa ideia de democracia
é mesmo muito perigosa
veja o nosso hino
ele tem dentes de porcelana
senão vejamos que
não tivemos injustiça nem gravata
senão rios
que secaram com o vento
senão o mato
subjugado ao progresso
senão mulheres com unhas fracas demais
para dirigir os caminhões
afinal
nunca soterramos de restos de minério
nem cidades nem sambaquis
onde gente ou ossos dormem
e se os índios de hoje saem doutores da faculdade pública
é porque iguaizinhos a nós
já não são índios
não são?
porque afinal
a água e a luz e o gás
estão aí para todos
desde que o comércio e a indústria
tragam o pão e as embalagens do pão
e façam os deputados
que aumentam a taxa da água e da luz
e do gás de cozinha
e afinal
isso de escravidão foi coisa lá do tempo
das áfricas e dos portugueses
e nenhuma culpa canta de tão longe
porque se ninguém foi preso por assassinar uma vereadora
é porque ninguém assassinou a vereadora
e então se um menino negro hoje é morto
por um tiro de fuzil
é porque não quis trabalhar
não é assim mesmo
feito um soluço sem fim?
mas afinal
escute o nosso hino
antes que ele minta
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