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a sombra escrita da imagem

56. Prorrogação

Texto e áudio de Altair Martins/
Foto Valmir Michelon


Aos amigos do futebol,

digo apenas que o gol está sob revisão.

Que enquanto isso o sangue e os gritos

e as tentativas de um passe rivellino

dormirão na poeira ou no mato ruim

e imitarão, quem sabe depois,

os pássaros que a gente não nota.

Ninguém costurará

sobre as costuras da bola de couro.

E não deixaremos mais o bairro

para desafiar outro bairro

onde sofreremos faltas duras

e conquistaremos as melhores mentiras.


Posso convocar o que fui de zagueiro,

o que peguei de pênalti

e o que chutei de rente às traves.

Posso ser o que desvia dos quero-queros

e dos maricás e o que desafia cães enormes

para buscar a bola que foi cair num pátio.

Mas devo confessar ao time

que ainda hoje não amadureceram os chutes

que saíam verdes

e que não sei como reter apenas com saliva

a velocidade que tive

ou o que inventei de estatísticas

num álbum de figurinhas.


Eu fui meu ídolo

por uma temporada.

Eu me negociei

com os confrades do ataque

e falei outras línguas.

Eu engraxei as minhas chuteiras

nas vésperas das vésperas.

Eu amarrei as minhas meias

com as meias dos uruguaios.

Eu usei o nome de uma equipe

mais coesa que o meu corpo.

E conheci cada um de vocês,

companheiros transparentes como a água

que bebíamos de uma mangueira.

E por isto não me previ professor:

porque eu me via

na última rodada

ainda candidato à raça

de uma coisa chamada fim de jogo

(e que era apenas voltar sujo para casa).


Dentro de mim

uma voz que tinha o meu sotaque

narrava a minha multiplicação.


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