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a sombra escrita da imagem

55. Pós-escrito


Foto Valmir Michelon



Trafegamos tarde pelos pés

e pelas mãos.

Trafegamos tarde pelo rosto,

pela coluna e pelo sexo.

Só tivemos verdadeiramente um corpo

quando ele sofreu lasca

ou mordeu a língua.


Consumimos nossa água

e nunca deixamos a sede.

Fomos um rio que não se soube fora

sem o espelho do vidro,

das tecnologias ou do outro.

Tivemos a estrada sempre seca

onde um cavalo e um cão

ainda seguem sem apontar o endereço.

Pesávamos menos assim.


Nossos ossos foram se enferrujando

cada vez que enchíamos o peito.

O amor e o trabalho nos iludiram,

fornecendo tréguas entre relógios.

Mas sem a estrada,

esperamos o desmaiar da carne

e dos nervos,

a conversão em formiga e terra

do que conosco nasceu

e serviu à genética

e ao crediário.


Apontamos pra frente e pra trás.

E nossos ouvidos captaram ao lado

os seres que se escondem na lama

e nos superam comungando um planeta

todo coincidência

ou milagre.


Trafegamos tarde pelos segredos

das frutas

e pelo suspirar da grama repleta de espigas.

Trafegamos tarde pelos olhos,

que estavam ocupados com coisas fúteis:

as mais velozes,

as mais brilhantes.



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