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a sombra escrita da imagem

Atualizado: 4 de jun. de 2021

51. O varal alheio
Texto- Altair martins
Foto Leonardo Sessegolo

Eu percorrerei as zonas portuárias

daquelas roupas do varal alheio.

Lá onde meus outros corpos secam,

três metros abaixo,

eu serei o menino e sua bicicleta.

Eu vou olhar os pássaros

e as festas

que a sombra desenha e ninguém vê.

Eu serei um instante de parede branca

e condomínio

e vestirei uma mulher

com seus desejos.

Talvez aí eu entenda o gole

e sua inocência

como quem se dissolve no escuro.


Dissoluto no escuro e no entanto

percorrei a partitura dos tecidos

e das cores

de cada peça do varal alheio.

Usarei emprestadas

as mãos marcadas pelo serviço

ou pelo pão

e farei amor

imaginando que pinto a casa

até cansar e me entregar ao sono.

Sem dúvida que assumirei algumas culpas

como quem rouba uma calça jeans

mas não tem a quem contar

nem sobre a culpa

nem sobre a comparação.


Na comparação de cada braço de blusa

ou gola de camisa ou pé de meia e luva

eu percorrerei as bandeiras de são joão

do varal alheio

e deitarei mais coletivo

que os eucaliptos do horto.

Eu esperarei o melhor do sol e do vento

com os bolsos abertos

e o cheiro de sabão

a combater o que foi suor e assinatura.

Eu me perderei nos ossos

que caminham, sentam e dormem,

escutando os segredos que vou vestir.

Do pouco que vou saber estão a água que escorre

e o carinho no pelo de uma mascote.


Eu vou procurar por mim

quando as roupas do varal alheio

acenarem aos sapos

e forem recolhidas

e eu tiver que guardar meus olhos.





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