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a sombra escrita da imagem

46. Entre as mesas de um café vazio e um poste de luz

  • Texto {Altair Martins]

  • /Foto Louis Scur Carrard





Agora que os cafés estão vazios,

tento arrancar o que sigila

um poste de luz sem luz

antes do anoitecer.

Mas não sei como juntar as peças,

assim como não sei me reerguer

do chão

sem as marcas do que sofri

de nascença.


Uma motocicleta passa

sob o poste de luz apagado

e eu compreendo o gosto

pelo sexo feminino

como uma fraqueza

ou uma benesse

que a cultura afixou em mim.


Eu poderia ter amado um homem qualquer,

ter feito sua barba de dois em dois dias

e com delicadeza.

Eu poderia usar um capacete com boca de tubarão,

como vi num filme.

Mas passei por um posto de gasolina

e não abasteci.

E no fim daquela madrugada

levei ao porto a imagem de uma mulher

que tirou a roupa e ciciou o meu nome.


Os cafés continuam vazios e reconheço

o poste de luz sem luz

e as pessoas que escondem

seus curativos

atrás da máscara do rosto.

Mas é que de nada vale

desmontar a tarde

se a tarde seca.

Faço do carro

meu bar de duas cervejas

sob um silêncio tão frágil

que irá trincar ao primeiro sopro.


Eu seria jogador de futebol

se eu soubesse encaixar o pé

no chute que chuta o que quer que seja.

Seria guitarrista

se meus dedos acarinhassem os gatos

e eles não dormissem.

Eu seria a minha mãe

se eu tivesse a risada dela.

Estou no tabuleiro e tenho a regra.

Mas não sei como jogar

com as frações que a natureza espalha

e sobre as quais os homens sérios pregam

um sentido

em plena pandemia.


esteja lavando as mãos.





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