a sombra escrita da imagem
45. A Renato Lacerda Isquierdo, ave solitária
ALTAIR MARTINS

Foto Maris Strege/Divulgação
A ave solitária disse assim:
“Estamos à procura do sol”.
E dentre as amizades
que os livros nos deram
teu nome ficará ligado às coisas mais leves.
Como esteve comigo
nesses dias
em que a minha voz
não quis se levantar da cama
nem ligar para os amigos,
e eu abri um livro teu.
A ave solitária disse assim:
“Aquele menino
Sou eu do lado de fora”.
Estamos juntos numa palestra de escola,
num livro meu onde tu apareças
ou no teu inédito “A flor amarela”.
Na tua sala de aula
ficarei em silêncio.
Depois virão estudantes,
os que te conheceram
e os que perguntarão
quem foi aquele professor.
(Sei que a palavra professor
será tua roupa sempre nova).
A ave solitária disse assim:
“Minha alma é feita da chuva”.
Teus trinta e poucos anos
não envelhecerão
como nossas filhas que têm o mesmo nome.
Estaremos juntos à margem de algum rio,
de algumas pessoas da cidade grande,
de alguma tecnologia de que não precisaremos.
Mas não agora.
Por enquanto
continuamos, os sobreviventes, na cidade,
tentando salvar algumas frutas
que se feriram com os safanões da entrega.
(É que tão logo tua mão abanou
já nos fez falta).
A ave solitária disse assim:
“O mundo todo ficou no fundo dos meus olhos”.
Difícil pensar na tua febre,
na inflação de cada pequena fala.
Impossível não imaginarmos
teu peito espremido
e a vontade imensa de viver
contra a ignorância, a estupidez, a política
e o racionamento de oxigênio.
Não precisarás mais de luta:
em cada palavra
que deixaste escrita,
no papel ou no quadro-negro,
respiraremos contigo.
A ave solitária disse assim:
“Um poeta viverá
Mesmo quando a máquina das horas enferrujar”.
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