a sombra escrita da imagem
39. APENAS PROJEÇÃO E DESEJO
Altair Martins
E por mais que aperte as mãos
a noite não se retém
nem a vejo diminuta
como se um peso de papel.
Por mais que aperte as mãos
algo nesta noite canta: algo de grito afogado
que dança sozinho,
como quem segura um paletó.
E eu me mostro preparado para o frio,
para os dentes que irão cair,
para a tinta nova que não resistirá ao inverno
(mas não para o sono agora).
Falo da noite e das minhas mãos
porque em verdade
são as peles únicas que conversam
e por isso acontecem
onde o úmido e o vago habitam
(apesar deste gosto agressivo na boca,
que será da falta ou do excesso
da comida ou da água).
Mas acredito, sim,
que tenho a noite apertada nas mãos
e digo aos olhos que não consigo
imprimir que ela confesse nada.
A noite lava os telhados,
e só o que os meus olhos querem dizer
é que não evito este desperdício.
Talvez então isso a que eu chamo noite
seja simplesmente um corpo que se ausenta,
que nunca está porque não tem sexo:
apenas projeção e desejo.
E vou atirar a minha pedra o mais longe possível
na esperança de que a noite
(quem sabe a de amanhã)
se dobre sobre as pernas e a recolha.
Áudio: https://drive.google.com/file/d/1Dd3IwDCh1fFrY6N51vvF5IC5t0FuSaVb/view?usp=sharing