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a sombra escrita da imagem

37. Eu costumava rezar assim
Altair Martins

Eu costumava estar onde ninguém me achava:

era na escola,

e eu pedia pra ir ao banheiro

mas não ia.

Eu costumava parar diante da grande janela

que havia e ainda há

no patamar entre as escadas

e me dividia entre os tantos quadrados de ferro

– e sobretudo quando havia chuva lá fora

eu podia constatar que os vidros também respiram.

Eu pensava as coisas mais preciosas:

a aula de Português e a de Biologia,

as meninas de que eu gostava e tinha medo,

os amigos e as coisas de rir e de chorar.


Eu costumava ser leve

de não sentir mais o chão

e então a esquadria enorme daquela janela

eram um álbum de figurinhas

que refletia a própria escola e eu nela

e estranhamente isso não evitava

que os jacarandás da rua estivessem ali comigo

e assim eu tinha um momento de paz

mas não de solidão.

Eu me sentia enorme, artista de mim mesmo

e desejava alguma coisa

que não sei se eu pedia mesmo à janela:

eu era ator e escritor, por exemplo.

Sei que eu respeitava

seus braços de metal e seus olhos nublados

e era como se ali eu me rezasse.


Depois, para que ninguém viesse a descobrir

os meus poderes em segredo,

eu abria a palma da mão para um dos vidros

e o sentia uma pessoa com tanto frio

que naquele instante se encolhia no íntimo das coisas.

Só então eu subia os degraus,

batia suave à porta da sala de aula

e pedia ao professor ou à professora

a permissão para entrar naquele mundo cheio de nomes.

Eles sempre diziam sim e era quando

eu voltava a segurar de pé o meu corpo

e assim o conduzia ao seu lugar.

Áudio do autor: https://drive.google.com/file/d/1z2A35J4DzBA62AGyAV2NfLSC3RlGvtkD/view?usp=sharing

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